Duas semanas depois de revelada a vultosa evolução patrimonial do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, o que gerou suspeitas sobre tráfico de influência, a Controladoria-Geral da União (CGU) se recusa a abrir sindicância para avaliar o caso, apesar de decreto presidencial vigente determinar a investigação a partir de notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito e evolução patrimonial incompatível de agentes públicos.
Para não investigar o caso, a CGU alega que Palocci não era 'agente público' na época em que recebeu os pagamentos feitos à empresa Projeto Consultoria Financeira e Econômica Ltda., que prestou serviços de consultoria a bancos, montadoras e indústrias. A consultoria foi aberta em 2006 e em 2010 Palocci mudou o objeto social da empresa, que se transformou em administradora de imóveis. A maior parte dos rendimentos, porém, ocorreu no final de 2010, período em que o ministro adquiriu um apartamento de luxo avaliado em R$ 6,6 milhões.
Parte dos pagamentos, no entanto, foi feita depois que Palocci assumiu a coordenação técnica do governo de transição, indicado pela presidente eleita Dilma Rousseff. O petista foi oficialmente nomeado para a equipe de transição no dia 3 de dezembro. O ministro da Casa Civil já admitiu a políticos que a maior parte dos pagamentos da Projeto ocorreu nos meses de novembro e dezembro.
Palocci dividia seu tempo em Brasília entre o Centro Cultural do Banco do Brasil, sede da transição, e a residência de Dilma Rousseff, quando recebeu dinheiro referente à quitação dos contratos de consultoria da Projeto, informou ao Estado o advogado do ministro, José Roberto Batochio.
'De fato, isso é verdade', disse o advogado sobre a data do registro dos pagamentos. 'A empresa encerrou suas atividades e, como tinha contratos em andamento, esses contratos foram rescindidos, e os pagamentos ocorreram no final do ano passado, em novembro e dezembro', confirmou Batochio.
Decreto. A ordem para que a CGU abra sindicância patrimonial para investigar indícios de enriquecimento ilícito de agentes públicos consta de decreto assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no final de junho de 2005.
Naquele mês, Lula estava às voltas com as primeiras denúncias do mensalão, esquema que envolveu as principais figuras do governo petista e que ainda será julgado no Supremo Tribunal Federal (STF). O decreto foi editado como parte da reação do Palácio do Planalto às denúncias.
O artigo 8.º do decreto diz que 'ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos do agente público, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial'.
A investigação interna, prevê a medida, não teria nenhum caráter punitivo. No artigo 14.º, o decreto prevê ainda que o descumprimento dessas normas configura crime de responsabilidade.
Argumentos. Questionado ontem pelo Estado, o ministro interino da CGU, Luiz Navarro, informou que o Decreto 5483/2005 não se aplica a membros do Poder Legislativo e que Palocci não tinha vínculos com o Executivo na época dos pagamentos, ou seja, em 2010. Palocci tinha mandato de deputado, mas na ocasião já trabalhava como coordenador técnico da transição.
'A meu ver, a justificativa é frágil, mas é a justificativa que o governo quer que a sociedade absorva', avaliou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante.
'Lamento a falta de autonomia das controladorias em relação ao Executivo. Acabam tendo de ceder às determinações de governo, que não quer investigar', acrescentou.
Por ora, o ministro está sob investigação do Ministério Público Federal no Distrito Federal. Na sexta-feira, o procurador Paulo José Rocha Júnior abriu procedimento para apurar eventual enriquecimento ilícito de Palocci no âmbito cível, por suposta prática de improbidade administrativa. O procurador do DF aguarda dados dos contratos da Projeto e cópias de declarações do Imposto de Renda da empresa.
O ministro enviou na semana passada explicações sobre sua atividade empresarial ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mas até hoje não deu nenhuma declaração pública sobre os fatos e suspeitas.
Na quinta-feira passada, o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, enviou ofício à CGU cobrando a observância do decreto, mas não obteve resposta.
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