Senador depôs no Conselho de Ética, onde responde a processo disciplinar.
'Sou um homem que tem vergonha na cara. [...] Eu sou um carola', disse ele.
do Conselho de Ética (Foto: Agência Senado)
Em depoimento de cinco horas no Conselho de Ética do Senado, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) negou nesta terça-feira (29) que tenha usado seu mandato para favorecer o bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso em fevereiro sob a acusação de comandar uma quadrilha de jogo ilegal.
Em discurso e após ser interrogado por parlamentares, ele voltou a afirmar que é amigo de Cachoeira, admitiu que o contraventor pagava sua conta de celular, mas negou que tivesse conhecimento de irregularidades cometidas pelo bicheiro. Demóstenes disse que vive o "pior momento" de sua vida e que se sente traído por Cachoeira. Ele afirmou ser vítima do "maior massacre da história".
O senador goiano responde a processo disciplinar no conselho por suspeita de quebra de decoro parlamentar, sob acusação de ter utilizado o mandato para auxiliar os negócios de Cachoeira. O depoimento começou por volta das 10h20, e a sessão foi encerrada por volta de 15h20.
No depoimento ele afirmou ser inocente das acusações de envolvimento com a quadrilha que explorava jogos ilegais. "Nunca sofri tanto na minha vida. Eu sou um homem que tem vergonha na cara. [...] Eu sou um carola", disse Demóstenes aos demais parlamentares.
Celular pago por Cachoeira
Ao responder um questionamento do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Demóstenes admitiu que o bicheiro deu a ele um aparelho nextel habilitado nos Estados Unidos e que Cachoeira pagava a conta do telefone. Segundo a Polícia Federal, o telefone era habilitado nos Estados Unidos para que as conversas não fossem interceptadas.
O senador disse que não via quebra de decoro em usar telefone pago por Cachoeira, segundo ele cerca de R$ 50 por mês. Randolfe contrapôs e diz que há irregularidade no fato de um servidor público receber qualquer quantia ou benefício de um ente privado. Demóstenes afirmou, então, que não teria aceitado se soubesse antes o que sabe agora sobre Cachoeira.
O senador Pedro Taques (PDT-MT) perguntou ainda a Demóstenes qual é a razoabilidade de um senador usar um telefone habilitado nos EUA, e Demóstenes respondeu que é por "questão prática" porque o telefone poderia ser usado para falar no Brasil e também nos Estados Unidos.
De acordo com Demóstenes, o aparelho não era usado somente para falar com o bicheiro. "Não tinha lanterna na popa e não tinha como adivinhar que o rádio era utilizado para outras atividades", disse. Demóstenes afirmou que usou o rádio "por comodidade", porque poderia se comunicar com facilidade.
“Hoje é fácil de dizer que foi um erro, Eu não sabia a dimensão que isto tinha, nem que era utilizado para outras atividades”, disse.
Dinheiro do bicheiro
O senador rebateu ainda denúncias de que teria recebido dinheiro do esquema criminoso. Segundo as investigações, ele teria recebido o valor de pelo menos R$ 1 milhão. "Não entrou um milhão na minha conta. “Nem R$ 1 milhão, [...] nem 3 mil reais, em nenhum momento isso entrou na minha conta ou me foi dado de qualquer maneira”, disse o senador.
“Estou entregando as cópias de minhas duas contas que em nenhum momento foi depositado R$ 1 milhão na minha conta. As provas documentais estão aqui”, disse.
Traído e alcagueta
Indagado pelo relator do processo, senador Humberto Costa (PT-PE), se sentia-se traído pelo bicheiro, Demóstenes afirmou: “Acho que todo mundo [se sente traído]. Todo mundo que se relacionou com ele e não tinha conhecimento [das atividades ilegais]. Todos nós ficamos na pior situação.”
“O que eu sabia era que me relacionava com um empresário que se relacionava com cinco governadores, e outras dezenas de políticos e empresários. Sim, ele tinha vida social, sim [...] Reafirmo que tinha amizade com ele, sim”, disse.
Costa perguntou se a amizade era "íntima" e Demóstenes respondeu: "De certa forma, sim". Durante sua fala, o senador voltou a confirmar que recebeu presentes do bicheiro.
Depois, ao fazer questionamentos, o senador Randolfe Rodrigues perguntou quem eram os cinco governadores citados. Demóstenes respondeu dizendo que os nomes estão na imprensa e que ele não vai fazer papel de "alcagueta".
Gravações da PF e foro privilegiado
O senador também tentou desqualificar as conversas telefônicas registradas pela Polícia Federal nas investigações sobre a quadrilha de Cachoeira. Segundo ele, algumas gravações foram “montadas”.
“Não [reconheço minha voz em todas as gravações], por isso pedi perícia. Tem muita coisa truncada, editada. Evidentemente que muitas conversas eu travei, agora, muitas conversas foram editadas e montadas”, afirmou.
Demóstenes disse ainda que os grampos são ilegais e deveriam ter sido autorizados pelo Supremo Tribunal Federal. Como é senador e tem foro privilegiado, ele argumenta que a Polícia Federal não poderia ter registrado as conversas sem antes pedir permissão ao STF.
“Tenho condições de enfrentar todas as acusações no mérito. Agora, o fato é que a investigação é ilegal e coloca em risco a democracia no Brasil”, afirmou. Segundo ele, o país corre o risco de se tornar uma “República comandada por procuradores e delegados”.
“Se o Supremo entender que o a investigação pode ser feita pelo primeiro grau e não pelo Supremo, vamos viver numa República comandada por delegados e procuradores do Ministério Público”, disse.
Durante o depoimento, o senador Mário Couto (PSDB-PA) perguntou ao colega: A voz das gravações é sua? Demóstenes responde: "Em grande quantidade sim, mas truncadas." Mário Couto disse então que, se a voz é de Demóstenes, "a coisa está bem atrapalhada". "Respeito sua posição, senador", disse Demóstenes.
Para o senador, existe uma intenção por parte do Ministério Público e da polícia de “amedrontar” os ministros do Supremo. Os inquéritos da PF relativos à investigação sobre Cachoeira trazem conversas telefônicas em que ministros do STF são citados por Demóstenes.
“Vivemos um perigo e a função principal é amedrontar os ministros do Supremo. Os ministros estão com medo porque dá a impressão de que o senador é criminoso e se aproximou do Supremo para aproximar o contraventor do Supremo. Fui investigado clandestinamente, mas tenho condição de me defender no mérito e já disse que muitas das coisas apresentadas são edições“, afirmou.
'Vivo o pior momento da minha vida'
No início de sua fala, Demóstenes afirmou que "resistiu até o momento" às acusações porque "redescobriu Deus". "Redescobri Deus. Se eu cheguei até aqui, é porque readquiri a fé", afirmou.
Ele disse ainda que, desde que as denúncias sobre sua relação com o contraventor vieram à tona, sua vida sofreu mudanças. “Vivo o pior momento da minha vida. Vivo um momento que jamais imaginaria passar. A partir de 29 de fevereiro deste ano, eu passei a enfrentar algo que jamais enfrentei. Depressão, remédio para dormir, que não faz efeito, fuga dos amigos e a campanha sistemática mais orquestarda da história do Brasil”, disse.
O senador afirmou que chegou a pensar “as piores coisas”. “Confesso que pensei nas piores coisas. Pensei em renunciar meu mandato”, disse.
no Conselho de Ética (Foto: Wilson Dias / Agência
Brasil)
Legalização do jogo
Logo no começo do depoimento, o senador Demóstenes Torres afirmou que não tem relação com jogos ilegais. "Eu não tenho nada a ver com o jogo. Devo essa explicação principalmente à minha mulher, aos meus filhos, às senhoras e aos senhores. [...] Os procuradores, os senhores delegados podem até brigar, mas num ponto eles convergem. Eu jamais tive qualquer participação em esquema de jogos ilegais", afirmou.
Ele admitiu que conversou com o contraventor sobre o projeto que tramitava na Casa sobre legalização dos jogos, mas negou ter feito algum tipo de articulação para que a matéria fosse aprovada.
“Eu indago se eu procurei algum parlamentar aqui para falar sobre isso. Nunca [...] Se toda a conversa que tivermos com pessoas que têm pleito aqui for levado para a quebra do decoro, imagino onde vai parar” disse Demóstenes, que completou: "Não há quebra de decoro em se comentar um projeto com quem quer que seja."
Sobre o relatório elaborado pelo senador Humberto Costa, Demóstenes disse que há elementos que precisam ser debatidos.
Em um dos trechos do relatório, o relator observou que no dia 5 de novembro de 2008, a CCJ do Senado, sob a presidência do então senador Marco Maciel, votou e aprovou o projeto de lei 274/2006, oriundo da CPI dos Bingos, que tinha o objetivo de criminalizar a exploração de jogos de azar e tornar mais eficiente a punição nos casos de lavagem de dinheiro.
“Eu quero lembrar que eu votei contra a relevância e a urgência por imposição constitucional, porque não era mérito. Tratava-se de matéria preliminar e acompanhei orientação partidária, como mostram as notas taquigráficas daquela sessão."
Demóstenes afirmou que era a favor do projeto da legalização dos bingos desde que o recursos gerados com os jogos fossem utilizados para a implementação de escolas de tempo integral.
'Sócio oculto' da Delta
Sobre o relacionamento com a Delta Construções, empresa suspeita de participar do esquema do contraventor, o senador afirmou que nunca foi sócio da empresa, e que não conhece Fernando Cavendish, diretor afastado da empresa. “Não existe isto. É factódide. Como eu posso ser sócio de alguém que não conheço”.
Gravações da PF apontaram que Demóstenes teria tentado beneficiar a Delta. Em documento do processo que corre no Supremo, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, argumenta que evidências apontam que Demóstenes atuava como "sócio oculto" da Delta.
“O sócio oculto da Delta não sou eu. Se existe, procurem com uma lupa maior porque não sou eu.”
Demóstenes também negou que tenha feito lobby para a Delta, mas admitiu que fez duas visitas à empresa, uma delas para devolver um iPad que ganhou dos assessores de Cachoeira.
'Jogou verde'
Ainda em sua fala, Demóstenes disse que, em 2011, Cachoeira revelou para ele e para Marconi Perillo, governador de Goiás, que tinha largado a contravenção e se tornado um "empresário dentro da legalidade".
No depoimento, Demóstenes disse que "jogou verde" com Cachoeira uma vez dizendo que havia uma operação da Policia Federal para investigar jogos ilegais. O senador afirmou que fazia "testes" para detectar se Cachoeira ainda mantinha aitividades ilegais."Evidentemente que o único propósito era para saber se ele ainda estava no jogo", justificou.
PGR prevaricou
O senador Demóstenes afirmou ainda que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, "prevaricou" ao suspender, em 2009, as investigações da Operação Vegas, que apurou esquema de jogo ilegal supostamente comandado pelo contraventor.
"Ele [Gurgel] pervaricou [faltou com o dever]. Prevaricação para satisfazer sentimento ou interesse pessoal. Pode ser que não se prove o sentimento pessoal, mas em relação a improbidade administrativa, mais dia menos dias, o procurador vai ter de responder por isso", afirmou Demóstenes Torres.
As investigações, na época, já apontavam a ligação de Cachoeira com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) e com os deputados federais João Sandes Júnior (PP-GO) e Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO). Em resposta enviada a CPI Mista que investiga as relações do bicheiro com o políticos e empresários, o procurador disse que se não tivesse tomado a decisão de impedir a abertura do inquérito, não teria sido desvendado o esquema criminoso.
Na explicação que encaminhou à CPI Mista, Gurgel afirmou que os "elementos colhidos na operação Monte Carlo", posterior à Vegas, que resultou na prisão de Cachoeira, são uma "demonstração inequívoca do acerto da decisão de sobrestamento [suspensão]" da Vegas. Demóstenes criticou o procurador por não "fazer nada".
"Não arquivou, não pediu diligência, não fez nada. E mais, os argumentos que ele [procurador] fez, para que as investigações sejam retomadas no futuro [...] A outra operação nem começou na Polícia Federal, começou no Ministério Público de Goiás", disse Demóstenes.
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